| acelerar, com prudência, o ritmo dos dias...


redefinido o caminho, refeito o plano de viagem e antes de colocar os pés ao caminho, há que embalar toda uma vida e acondicioná-la em caixas. 

escolher pedaços de mim e distribuí-los pelas caixas: "para levar"; "para dar"; "para deitar fora".

quando comecei, estava longe de pensar que teria tanto trabalho pela frente... sim, esta irá ser a nona mudança em oito anos e sei bem o tanto que há para fazer. mas, nas outras oito mudanças, não foi necessário mexer em determinadas gavetas, que eu mantinha fechadas a sete chaves.

desta vez, porém, não se trata de uma mudança para a rua mais acima ou para a rua mais abaixo. mudar de concelho e de distrito, obriga-nos a libertar de tudo, o que não tem lugar na carrinha de mudanças.

já está quase tudo empacotado. deixei, contudo, as tais gavetas - as que estão, sempre, fechadas - para o fim...

abertas as gavetas: cartas, fotografias, objectos... memórias, na sua maioria, dolorosas. pessoas que partiram, objectos especiais que se esqueceram, momentos perdidos na memória... lá longe. as lágrimas escorreram e doeu. saudade... como eu sinto falta destas pessoas, destes momentos... como dói, o tanto que fui e o que ficou para trás...

[a minha vida já foi cheia. de pessoas, de risos, de vida. a minha vida já teve viagens, noites, transgressões. a minha vida já teve sundays repletos de chocolate quente e vodcas laranja com mais vodca que laranja. a minha vida já teve banhos de mar à noite e em pleno inverno. a minha vida já teve noitadas em frente da lareira, enrolada em edredons e amigos. a minha vida já teve tentativas de chouriços assados embrulhados em jornais e regados a alcoól, porque não havia assadeira de barro. a minha vida já teve corridas de carros, já limpou vomitado e  lágrimas de amigas rejeitadas pelos amigos. a minha vida já teve caminhadas, corta-matos e boleias de potenciais serial killers. a minha vida já teve rosas vermelhas, margaridas brancas e gerberas azuis. a minha vida já teve navios,  famílias reais e arroz árabe. a minha vida já teve dissecações de olhos de boi, noites agarrada à anatomia, vintes a matemática e a física aplicada. a minha vida já teve coreografias, sat chakras e retiros em montanhas. a minha vida já teve vida recém-nascida nos braços, primeiros sorrisos e primeiras palavras. a minha vida já teve a palavra Mãe – apesar de não o ser. a minha vida já teve brincadeiras, saltos em cima da cama e corridas de carrinhos. a minha vida já teve xana toc toc, gomby e caricas. a minha vida já teve tanta vida]

até agora, todas estas feridas tinham ficado guardadas nessas gavetas. fechadas, sempre, mesmo durante as oito mudanças. tudo ficava como tinha que que ficar. fechado. durante muito tempo... até... hoje.

agora, com as gavetas vazias, desmontadas e prontas para a viagem, também eu me sinto pronta. para a viagem, para a mudança, para uma nova vida. ansiosa, com um sorriso rasgado nos olhos e muita fé, acelero e sigo em frente. com prudência, claro... mas com tudo porque tudo é, somente, aquilo que eu sei que vou conseguir.

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