o sentimento do tamanho do mundo


a certa altura, entrei pelo quarto dentro. a minha mãe, sentada, na cama, ria e chorava ao mesmo tempo. olhei o meu pai e lá estava ele, com uma cara de tonto, a rir com as lágrimas a escorrerem pela face. 

não compreendi... ou se chora, ou se ri... alguém me explica o que se passa? o meu pai ajoelha-se e coloca as mãos nos meus ombros pequeninos. estas lágrimas são de alegria, susana

lágrimas de alegria? os crescidos têm cada ideia. vejam lá! lágrimas de alegria! as lágrimas caem quando choramos e quando choramos, é porque estamos tristes, disse-lhe eu.

não, nem sempre é assim. também choramos, quando nos sentimos muito felizes, quando o sentimento fica, assim, muito grande, do tamanho do mundo, e não cabe dentro do nosso peito, as lágrimas soltam esse sentimento, para que ele possa crescer, ainda mais...

não percebi nada...

a mãe tem um bebé, dentro da barriga. vais ter uma mana ou um mano, disse-me. e eu corri. corri para o quartinho da costura, que o meu pai tinha no quintal. uma mana ou um mano? mas isso foi o que eu sempre quis! um mano e um cãozinho! eu já tinha a pantufa, só faltava um mano ou uma mana!

enquanto ria e saltava, senti umas gotas quentes e salgadas, a deslizarem pela minha face. sim, eu estava a chorar a rir e ao mesmo tempo. e aquele sentimento, do qual o meu pai falara, eu sentia-o no meu peito.

afinal, os crescidos não são esquisitos. ou são e eu estava a ficar uma crescida... fosse como fosse, eu iria ter um mano ou uma mana. o meu sonho estava a realizar-se... eu não seria mais, sozinha.

hoje, a minha mana completa trinta e dois anos. estive uma boa parte da noite, a relembrar tudo, desde o dia em que eu descobri que o sentimento, quando é muito grande e não cabe no peito, sai cá para fora e, então choramos e rimos ao mesmo tempo, como tontos, até hoje.

foram três décadas... (porra, isto dito assim faz-me sentir velha)... foram tantos anos, tantas aventuras, tantas descobertas, tantas brincadeiras, tantas discussões (porque a vida é assim, faz parte... ajuda-nos a crescer) e tantas reconciliações.

obrigada, maninha. por tudo o que eu aprendi contigo, por teres sido (e continuares a ser) a minha companheira desta viagem louca, que é a vida. tu és e serás para sempre, a minha menina. o sentimento do tamanho do mundo, que não cabe dentro do meu peito e que continua a crescer e crescerá para sempre.

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